segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

"Já amei. Já odiei. Já gritei e às vezes choro vendo a bola correr no meio-campo. Nem mesmo das mais subalternas emoções da alma humana, o futebol tem me poupado o coração. Eu já sofri tanto vendo a bola correr no meio-campo que nem posso me queixar se um dia a morte vier me buscar no momento de um gol."

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Cabra da Peste

Era sempre quente e seco na pequena cidade de Arcoverde, conhecida como a porta de entrada do sertão pernambucano, um último reduto antes da vastidão infértil que cortava a região. Foi lá que nasceu meu pai, e sobre nossa árvore genealógica nem ele e nem ninguém saberia contar. Éramos fruto daquela terra inóspita, calejados e retorcidos pelo sol geração pós geração, donos da mesma venda que fora de meu avô, antes dele de meu bisavô, e no futuro haveria de ser minha.
Já somava sete anos, nunca tinha pisado em um colégio e ninguém pretendia que pisasse. Por ser o filho mais velho entre quatro irmãs, era o preferido do pai e o acompanhava todos os dias ao trabalho, onde cuidava de organizar mangas, melões e acelrolas nas suas devidas prateleiras. Meu pai cuidava da carne.
Aquela terça-feira tinha tudo para ser tranqüila e monótona como todas as outras que me recordo. A manhã fora cotidiana e já era meio dia, o calor estava tal, que não ousávamos sair debaixo de um teto, eu assistia o asfalto daquela pequena cidade arder projetando curvas no ar.
Quase caía no sono quando, de supetão, um estranho entrou afobado pela porta principal, tomou cuidado para evitar-me, foi de encontro a meu pai e lhe falou ao ouvido.
Hoje, passados mais de 20 anos, ainda me pergunto quais foram as suas palavras, pois ao escutá-las meu pai agarrou o facão que utilizava para romper carnes com ossos e saiu apressado, ainda vestido de branco e coberto de sangue bovino. Fiz o que devia fazer, cuidei da venda.
Eram três da tarde quando ele voltou. Não falou coisa alguma, olhou-me sério, estava suado, ainda com as vestimentas de açougueiro e ainda empunhando o mesmo facão.
Foi lacrimejando que colocou a mão esquerda estendida sobre o balcão; com a direita, levantou sua arma no alto e em uma apunhalada certeira cortou o próprio dedo indicador.
Sem nenhum grito, sem nenhum remorso, estancou o sangue com um pano qualquer, olhou-me por uma última vez, disse “cuida da família” e partiu para sempre.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Pavarotti

Última canção.

sábado, 11 de setembro de 2010


Seria muita pretensão e burrice de minha parte dizer que conheço o mundo, porém, após vinte e um anos de existência, fico contente ao afirmar que já me perdi tanto nos becos de Veneza quanto nas avenidas de Nova Iorque, que meus olhos já contemplaram a genialidade exposta nua em telas, que minhas mãos já tocaram tanto os muros ancestrais de minha linhagem, quanto os das gigantescas fortificações de civilizações perdidas, que minhas pernas já escalaram montanhas em cujos cumes se escondem segredos, que minha boca já provou da culinária de hábeis e tão distintas mãos. Vi impérios em seu apogeu, vi impérios decaídos porém ainda orgulhosos, vi impérios de outrora dos quais hoje só restam escombros. Descobri que todos somos tão diferentemente iguais e mais que tudo isso, vi que ainda há muito para ver.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Acordou febril no meio da madrugada, pesadelos, dores no corpo, saudade. Será que ficaria sozinho para sempre? Será que tudo tinha sido um grande erro? Não sabia, na verdade, pouco sabia naquele momento além do óbvio; estava péssimo.
Ansiava pela manhã e pelo sol, nada era pior que aquela espera, o nada, o ócio, o tempo. Isto o fazia pensar e pensar era ruim. O desconforto já era velho conhecido, uma incompletude por completo. Durante o dia, ainda era possível se enganar, concentrando-se em outros devaneios bastante vãos, mas à noite não, esta era implacável e, no escuro do seu quarto, chorava.
Ele aprendera o jogo, podia se levantar, assistir televisão, ler seu livro, jogar computador ou qualquer outro passa-tempo, podia fazê-lo até que seu corpo não aceitasse mais a vigília e, finalmente, caísse de exaustão num sonho vívido e perturbador. A exaustão era sua amiga, ela o libertava do atormento que era pensar nela lúcido.
Ser humano é algo notável, que máquina magnífica tem em nossas cabeças, que obras realiza e que dor nos causa. A saudade é destruidora e absolutamente racional, fruto de nos mesmos, de nossas projeções, idealizações e anseios.
Pouco importa, a aurora já vem e junto dela a redenção. Agora serei de Morfeu, que tomando a forma de quem amo, castiga-me.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Diamonds in Shit.

My generation's for sale,
Beats a steady job.
How much have you got?
My generation don't trust no one,
Its hard to blame,
Not even ourselves.
The thing that's real for us is: fortune and fame,
All the rest seems like work.
Its just like Diamonds
In shit.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Era um dia quente de março quando Henrique adentrou pela primeira vez as portas do inferno. Um Inferno que, uma hora ou outra, ele teria de entrar de qualquer maneira, muito porém, aquela manhã abafada, aquele suor azedo, aquele sono e aquele ônibus lotado conseguiram tornar tudo muito pior.
Um tanto exitante, ele aperta o interfone pela primeira vez, e pela primeira vez escuta a voz do demônio. Ironicamente, ela é fina e anasalada:
-Quem é?
-Henrique.
-Entra ai Henrique
Ai estava. Sem porteiro, sem Cérbero o cão de três cabeças, sem cadáveres flamejantes, sem gritos dilacerados. O inferno é na verdade um modesto cômodo, no terceiro andar de um modesto prédio do Bom Fim.