terça-feira, 27 de setembro de 2011

Alto, muito alto e por muitas horas. Eram seis da manhã.

Recordações da noite recém vivida latejam em minha cabeça. Disse isso, disse aquilo, tanto faz. Foco no que importa.
Eram seis da manhã quando decidi olhar para cima. Chovia, um amanhecer chuvoso no início da primavera. O céu azul marinho se assanhava por entre as árvores e os prédios.
A luz do sol nascente lutando por detrás das espessas nuvens carregadas, os pingos caindo no vidro do carro e, depois de muitas horas, finalmente pousei.
Foi um pouso muito tranqüilo, na verdade, foi um pouso muito bonito, daqueles que expressam a tua insignificância no universo, mas não de forma opressora, pelo contrário, de forma admirável.
É o tipo de sentimento que te inflama por um cáustico momento e é extremamente difícil de descrever. A sensação de que indiferente ao que tu fez ou disse nessa noite entorpecida, o dia haveria de nascer igualmente belo e azul escuro nessa manhã chuvosa, nesse início de primavera.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011



"Nós éramos amigos e nos tornamos estranhos um para o outro. Mas está bem que seja assim, e não vamos ocultar e obscurecer isto, como se fosse motivo de vergonha. Somos dois navios que possuem, cada qual, seu objetivo e seu caminho; podemos nos cruzar e celebrar juntos uma festa, como já fizemos – e os bons navios ficaram placidamente no mesmo porto e sob o mesmo sol. Parecendo haver chegado ao seu destino e ter tido um só destino. Mas, então, a todo-poderosa força de nossa missão nos afastou novamente, em direção a mares e quadrantes diversos, e talvez nunca mais nos vejamos de novo – ou talvez nos vejamos, sim, mas sem nos reconhecermos: os diferentes mares e sóis nos modificaram! Que tenhamos de nos tornar estranhos um para o outro é da lei acima de nós: justamente por isso deve-se tornar mais sagrado o pensamento de nossa antiga amizade! Existe provavelmente uma enorme curva invisível, uma órbita estelar em que nossas tão diversas trilhas e metas estejam incluídas como pequenos trajetos – elevemo-nos a esse pensamento! Mas nossa vida é muito breve e nossa vista muito fraca, para podermos ser mais que amigos no sentido dessa elevada possibilidade. – E assim vamos crer em nossa amizade estelar, ainda que tenhamos de ser inimigos na Terra".


(Nietzsche, A Gaia Ciência, aforismo 279)