quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Escrever por escrever.



Já era madrugada quando Romero entrou naquele crépido bar do subúrbio. Ele abriu a porta, viu a fumaça, inalou o fedor, o bar estava vazio, poucas pessoas, o que precisava, estivera estranho o dia inteiro, queria ir ao fundo do poço e o encontrou.
Ele acordara diferente. A morte é tão visível quanto qualquer coisa, não se vê por medo, não se vê, pois só a vemos uma vez na vida e por período curto demais para entendê-la, mas se sente, se acorda diferente, percebe-se na pele quando os tênues laços que prendem a vida começam a se soltar e, ao desfazer do último nó, o acorde final é inconfundível. Antes de morrer nós inexoravelmente tomamos consciência disso, eis aí a maior punição divina, saber da morte e entender exatamente o que isso significa.
-Uma cerveja com wisky – disse Romero cabisbaixo.
Nesse momento, uma figura encapuzada que havia passado despercebida pela maioria dos bêbados daquele bar imundo se levantou calmamente e olhou fundo nos olhos de Romero.
-Lembra de mim? - Disse o homem com a calma de quem parece não ter nada a perder.
Sem mais delongas e com enorme agilidade, o estranho acerta um tiro certeiro no peito de seu oponente que imediatamente cai sob balcão. Já morto.
Ouve-se o som do sangue pingando no chão, o resto é silêncio. Os bêbados do subúrbio respondem ao horror com silêncio e nada mais. Em suas sub vidas regadas a vícios não há mais espaço para compaixão ou histeria, somente silêncio. Todos olham para baixo, o sangue pinga e agora se ouve os passos do homem que sai do bar com a mesma calma com que se levantara.
Tenho um corpo para me livrar, pensa o dono da espelunca de traz do balcão, mas essa noite ficará aí mesmo, amanhã te dou aos corvos.
A noite continua, os bêbados bebem, os viciados fumam crack, os travestis se prostituem, mas hoje em silêncio, o cheiro de morte ainda é novo no ar.
Distante de lá, ao leste do trevo 89, uma mulher ri e chora ao mesmo tempo, como fazem as loucas ao se depararem com trágicas ironias.
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O trevo 89 era de fato um lugar tenebroso, conhecido por todos os homens de má índole em um raio de cem quilômetros, era chamado de deposito de corpos. Unia três estradas de chão batido, ao lado de um lago onde desembocava boa parte do lixo da metrópole. Gente também é lixo, pensava o burguês enquanto preparava uma boa refeição.
Longe dos olhos da opinião pública e da pseudo compaixão social, o trevo 89 era o lugar perfeito para abrigar os dejetos da colméia. O importante é o lixo sair da frente da classe A/B, não estando lá, não existe. Para um problema deixar de existir, basta que ele vire o problema dos outros.