sexta-feira, 28 de dezembro de 2012



Existem duas categorias injustiçadas de poeta: os publicitários e os tradutores.

Ambos escolheram passar a vida revirando palavras, um trabalho de artesão, minimalista, no qual um vocábulo, uma vírgulinha maldita muda tudo. O primeiro, o publicitário, é o anônimo criador de cartas inesquecíveis, discursos apoteóticos e conceitos profundos, mas vende seu próprio filho por migalhas e assiste tudo distante e em silêncio. Sem falar que ele passa pela vistoria do mais incapaz crítico literário, o cliente.

Já o tradutor, coitado do tradutor! Lê Dostoievski em russo e se incumbe da missão de colocar tudo em português - diga-se de passagem, a língua mais cretina do globo, certamente bela, mas difícil, fazida como são as coisas belas - caso ele seja excepcional e consiga reescrever a obra, louvado seja o autor. Ninguém se lembra do pobre tradutor, só os eruditos, que geralmente lembram negativamente e enchem a boca ao dizer: bom mesmo é fazer como eu, ler em russo.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012


Às vezes preciso escrever pra organizar as ideias.

Começo essa reflexão escrita com a intenção de esclarecer, especialmente para eu mesmo, a seguinte questão: porque sinto repulsa por Comparações Trágicas? (aquelas que apontam situações de extrema dor como meio para deslegitimizar outros questionamentos).
É possível que não encontre a resposta, restando-me apenas admitir a imaturidade, frieza, recalque ou qualquer coisa que os valha. Na verdade, se não conseguir racionalizar essa repulsa, terei de abandoná-la.
Assim, inicio a jornada com a definição do vocábulo catarse:
Catarse (ss). [Do Gr. Kátharsis]  3. Psicol/Teatr. Efeito moral e purificador da tragédia clássica, cujas situações dramáticas de extrema intensidade e violência, trazem a tona o sentimento de terror e piedade dos espectadores, proporcionando-lhes o alívio, ou a purgação desses sentimentos.
Recorro ao dicionário pois julgo a filologia e o estudo das palavras como essenciais na compreensão do modo como entendemos o mundo, uma vez que são exatamente elas, as palavras, o berço da busca por, de certa forma e tanto quanto possível, arquetipar os sentimentos.   
O princípio das Comparações Trágicas é exatamente esse: o da catarse forçada.
Quem és tu pra questionar algo quando existe a Criança da África, os Escravos Modernos na China, os Deficientes. Agradece a Deus por não vos ter feito à semelhança nem de um, nem de outro, amém. A Comparação Trágica, no entanto, não tem resultado se não o de expurgar e exorcizar qualquer dilema através de parábolas que levam à culpa e, portanto, ao autoflagelo redentor, porém estéril. (qualquer semelhança com a culpa da cruz não é mera coincidência.)
A Comparação Trágica usa da compaixão e da empatia do homem para induzir ao consentimento de um suposto crime, o pecado de pensar e questionar a vida, e assim reduz qualquer inquietação ao supérfluo.
A empatia e a compaixão são sentimentos que surgem a partir da existência e identificação com o outro, não existe empatia sem o reconhecimento do diferente/igual no outro (não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por ti). Já a inquietude, prefiro chamar de “insustentável leveza”, corresponde apenas ao indivíduo. Desta forma, questionar a vida e a sociedade não se opõe, em nenhuma instância, ao “compadecer-se do próximo”, confirmando a falácia da Comparação Trágica. É afinal nela que mora o verdadeiro egoísmo, uma vez que se baseia na gratidão de “ser diferente daqueles infelizes”.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Eu sempre mantenho um Word aberto no meu pc, nele escrevo tudo que vem aleatoriamente a cabeça:





Queria fazer de mim um poço de inspiração, mas não tenho como esconder o fato de que sou seco, nada sai de mim, nada. Falar sobre não conseguir falar, que original. Que profundo Henrique! Hahahahaha!


"Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas."

Sempre que leio certo autores, perco por completo a vontade de escrever. Quem sou pra querer dizer algo enquanto existe um Bauman no mundo?

Às vezes nossa mente é misteriosa e nos leva a fazer todo o tipo de aleatoriedade imaginável, basta um breve passeio pela World Wide Web para entender que nós, seres humanos, somos demasiado estranhos. A normalidade é o estado hibernal do nosso íntimo bizarro, fadado a, inevitavelmente, acordar, mesmo que por um cáustico momento. Aqueles que são incapazes de hibernar a sua loucura são exatamente aqueles a quem chamamos de loucos.
Em geral, são esses hiatos de doidice que proporcionam as melhores histórias, aquelas que ou temos vergonha e, portanto, escondemos em nosso íntimo mais obscuro, ou aquelas que adoramos contar para os amigos, em uma mesa de bar, como prova incontestável da nossa condição humana em toda sua glória e perdição.
Dada esta breve introdução, o que segue são pequenos causos que o cotidiano trouxe aos meus ouvidos. Espero ter a habilidade necessária para transpor para o papel toda a carga de tristeza, humor, peso ou leveza que neles está resguardada.
Fezes.
Fezes são polêmicas.















Caminho a esmo pelo mundo de meu quarto. Tenho a companhia de alguns imortais. Tenho cede e bebo muito. Pdfs, mp3, avi. Mas não chego a lugar nenhum.
“Começaremos a caminhar hoje e veremos o mundo e o modo como ele caminha e fala, o modo como ele realmente é. Agora quero ver tudo. E embora nada do que entrar fará parte de mim no começo, após algum tempo tudo se juntará lá dentro e se fundirá em mim. (...) Eu me agarrarei firme ao mundo algum dia.”


Bauman é muito foda.
“Em sua essência, o desejo é um impulso de destruição. E, embora de forma oblíqua, de autodestruição: o desejo é contaminado, desde o seu nascimento, pela vontade de morrer. Esse é, porém, seu segredo mais bem guardado – sobretudo de si mesmo.” Bauman, Amor Líquido.

A beleza intrínseca do nascer do sol.


Meditar no quarto
 ouvindo som alto
A cama desfeita
e o olhar da TV

Vai para longe
Encontra ou esconde
Procura ou foge
Você

Meditar no canto
Ouvindo com encanto
Todo o pensamento
Se forma

Num domingo qualquer um
Vejo o sol que entra
pela fresta  da janela
E me faz sorrir vendo
a poeira que reflete por aqui

Hoje não quero lembrar
daquilo que deixei passar
daquilo tudo que perdi
do compromisso de amanhã
hoje o sol vai me seguir


É um trabalho mental penoso discordar do mercado quanto ao teu próprio valor. Não posso deixar ele me convencer que sou inferior.  


Nada irrita mais um deprimido do que conselhos. É preciso entender que, quando adentramos nesse estado mórbido de consciência, as obviedades não nos atingem como aos demais, é que já foram ultrapassados quilômetros inacabáveis desses clichês – tu tens que te mexer, é só fazer mais coisas, acorda cedo, faz o que tu ama, faz o que te der dinheiro. Quando entramos nesse oceano solitário e apático chamado de depressão, tais conselhos soam como ecos longínquos de botes resgatando almas distantes.
O deprimido, acima de tudo, não vê nesses conselhos bem intencionados a cura para o seu estado. Numa tentativa desesperada, eu decidi observar meu passado na busca de um pouco de paz de espírito. Lembro-me dos shows que fiz, gloriosos momentos da minha breve vida. O nervosismo febril que antecede o palco, contrastando com a catarse inevitável daqueles instantes nos quais já não há para onde correr e, portanto, a única saída é se entregar por completo. Os aplausos, os bêbados e seus transes sonoros, as mulheres com tesão, o calor das luzes do palco, o suor, o som, todos os sentimentos transmitidos pelo som: alegria, ira, tristeza, amor em som.
É inegável o quanto amo a vida, mas esse amor é passional. Sentimentos, ainda mais quando se tratando de amor, tendem a anular a lógica, portanto, ainda que nostalgicamente apaixonado por alguns momentos do meu passado, a resultante da equação da minha vida é triste.
Esses shows que recordo com tanto carinho foram lindos, mas todos cover, uma cópia inferior de algo original. Quando tentei compor, vi-me impotente, além do mais, fui expulso de minha primeira banda, a Yesterdays (cover de Beatles), minha segunda, a Reis do Rodeio (cover de Kings of Leon) acabou porque cansamos de tocar a mesma coisa e não conseguimos partir para nada melhor, dois integrantes dessa mesma banda acabaram de gravar um álbum com músicas próprias e começam já a ganhar espaço. Minha terceira banda, a Os Valdaranha (banda de baile) acabou porque depois de três shows ninguém mais queria nos contratar, exceto minha mãe.
O que isso prova? Prova que até mesmo meu amor pela música foi frustrante, aliás, frustrado.
De quem é a culpa? Minha.
Por que? Porque sou incapaz. Esse é talvez o cerne da minha depressão, a constatação de que sou incapaz.
Não se pegue pensando que a constatação a respeito da minha impotência é resguardada meramente por minhas frustrações musicais, pois quando entramos no meu universo profissional, o acumulo de pequenas tragédias é ainda maior.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Flagelo Honroso


Meu pequeno cão idoso volta e meia me passa lições de vida. Ele já soma quinze anos e, portanto, leva consigo as marcas da idade avançada, isso significa uma tosse constante, apenas três dentes na boca e catarata nos olhos, mas não pensem que o quadro é de alguma forma triste, pois ele continua extremamente fofinho e jovial.
Hoje o alimentei com uma saborosa coxinha de frango, deixei inclusive o osso da ave junto ao seu pratinho, obviamente a atração animal pelo o osso foi voraz. Acontece que, devido a pouca quantidade de dentes, o quadrúpede era incapaz de aproveitar os prazeres de sua presa, mais que isso, sua pequena boca estava levemente inflamada pelo tempo, o que fazia com que sentisse uma dor excruciante ao carregar seu osso por aí, ouvi do quarto o seu grunhido.
Tentei livrar o pequeno ser da tormenta ao privá-lo da ave, esse porém era irredutível perante seu doloroso amor, foi aí que percebi que não se pode privar um cão do seu osso, isso representa mais do que a apreensão de um brinquedo, mas a retirada da honra canina. O deixei grunhindo, sofrendo e feliz, com a altivez intacta.
Tudo isso pra dizer que existe qualquer coisa de belo em não aceitar as próprias limitações, a recusa absoluta à derrota, o nobre autoflagelo. Pra uns é mais dolorido, mas todos querem o osso.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012


Mudaram as formas de amar; não o amor. Mudaram os anos; não o tempo. Mudaram as angústias; não a dor. A humanidade se renova, mas será humana até o fim. Imortais são aqueles que ultrapassam seu contexto e alcançam o âmago imutável do ser.

quarta-feira, 23 de maio de 2012


O conceito do que é errado nasce a partir do conceito do que é certo. O errado é, portanto, aquilo que escapa ao certo.
Os homens se entorpecem com cafeína, nicotina, indutores do sono, da vigília, do apetite, antidepressivos, anabolizantes e etc., não porque estão errados, mas porque criaram, sabe-se lá como, um conceito falho do que é certo.
Nosso mundo é artificial e é a partir de sentimentos e anseios plantados de forma igualmente sintética que achamos um meio de viver nele.
Sei bem que é infantil culpar os outros, o mundo, por minhas faltas, também não procuro fazer uma objeção às drogas que tanto melhoram a vida de pessoas doentes, ocorre que é mais fácil, na semiótica do corpo, identificar um distúrbio. Quando se trata da mente, a “falha” se emaranha com as mundo; a indicação, seja ela médica ou pessoal, acaba por impor a resignação ao invés da revolução.
Alguém mais inteligente do que eu disse: não é sinal de saúde ser bem adaptado a uma sociedade profundamente doente.

sexta-feira, 18 de maio de 2012



Goethe escreveu Werther com 23 anos, estou lendo um romance de Philip Roth cujo personagem principal é um escritor talentoso de 23 anos, o criador do famigerado facebook o fez com 23 anos. Praticamente todos que realizaram algo reputado extraordinário se destacaram com essa idade.
Eu tenho 23 anos e 5 meses. Minhas células estão morrendo, meu corpo e mente estão no seu apogeu e rumam em direção ao envelhecimento. (fatalismo mexicano, grego, foda-se.)
Meus desejos, minhas ambições, elas são grandes demais para eu me contentar com a futilidade de uma carreira mesquinha, óbvia, mundana. O que me faz acordar todo dia é, se não a busca por prazer, o anseio de ser grande, estrondosamente grande. Vivo no limbo dos sonhos porque não sou um Goethe, não o serei, não sou capaz de ser, mas não quero ser Henrique.
Talvez eu só precise achar meu lugar na multidão, com doses de café, feriados, um pouco de amor e drogas. Na ponta dos pés vou assistir ao show, alguém há de fazê-lo.
Que frustrações infantis...
mas não seria o amadurecimento uma resignação triste?
Essa é só mais uma indagação infantil.
No fim, bem no fim mesmo, necessito de plata, vendo meu sonhos por dinheiro, afinal, são só sonhos.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Hoje me aconteceu algo curioso.

Fui ao Mcdonalds no desejo de comer um saboroso e fisiologicamente letal Cheddar. Fiz meu pedido e depois de um tempo aguardando, decidi que ia conversar com a atendente, uma bela gordinha negra da minha idade, queria saber se ela havia tido um bom dia.

Despretensiosamente, articulei “Oi, tudo bem?”, em resposta recebi um olhar assustado e a frase “Desculpe senhor, seu pedido já está vindo.” Surpreso, retruquei de forma amigável “Não estou reclamando, só quero conversar.”, incrédula e um pouco afoita com minha suposta reclamação ela disse “Desculpa, não estou acostumada”. O resto foi silêncio, quebrado apenas por “Ketchup, por favor.”

Fica a pergunta: até onde vai a mecanização do ser?

Que lugares são esses que criamos, nos quais a única interação social esperada é uma reclamação. De algum modo, o mundo foi longe demais e uma conversa espontânea já não é tão fácil.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Achei isso perdido no meu pc

O homem é fraco, conforma-se com tudo.

Já fazia alguns anos que Saldanha se acomodara em sua mediocridade. Tudo aconteceu gradualmente, primeiro, negado por todas as mulheres que almejava, abandou a estética e já somava mais de 100 kg do alto de seus 1 metro e 65. Depois, abdicou do sucesso financeiro. O diploma de um colégio estadual de Viamão não lhe rendeu fruto maior do que o cargo de guichê na rodoviária, o que no fim nem era um problema tão grande, pois também havia abdicado de criar uma família.

Seu salário pagava suas necessidades. Morava de aluguel em um apartamento de 1 quarto no térreo de um decrépito prédio no centro de Porto Alegre. Nas tardes de domingo, ia ao bordel Deyse Bar & Drink, nesse dia a clientela era baixa e, portanto, também os preços. Saldanha era homem e não abdicara de sexo.

Tudo o que sobrava ele gastava em comida, era um prazer fácil, imediato. Não havia nada que o levasse para um mundo melhor de forma tão simples. Era durante as refeições que ele esquecia toda a merda na sua vida. Evidentemente, Saldanha tinha suas preferências, mas o ápice do prazer, o suprassumo de seu dia, o alívio final e derradeiro ele encontrava em sua sobremesa favorita: sorvete sabor pistache.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

From: kbessa_tody@hotmail.com
To: nathpoa@hotmail.com
Subject: RE:
Date: Tue, 29 Apr 2008 03:21:06 +0000
É muito triste que tenha que ser assim, mas Israel, já fazem 60 anos, se mantém a base de suor e sangue, espero que tirem só o teu suor...
Maldito país, os judeus tinham que ir pro Canadá, lá não teríamos guerra, ambos faríamos aliá e viveríamos em paz, tendo como inimigo somente o inverno, mas não me cabe pensar no que devia ser, me cabe ver o que é. E o que é sou eu, separado de ti, e tu, jogada num beliche, sem brincos, vestida de verde, correspondendo a um número e recebendo ordens. Maldita ignorância humana, como pode chegar a esse ponto, como podem te separar de mim.
Eu vou levando minha vida confortável, dopando minha mente com todos os prazeres que um burguês porto alegrense pode ter, mas tu não, tu é mais que isso, tu é mais forte que eu e se tu acredita que Israel é tua casa, pois então lute por ela, por mais que lutar no sentido da guerra seja a maior expressão da estupidez humana, ainda assim não há como responder ao ódio alheio sem ser com uma moeda semelhante.
Boa sorte minha pequena, não sabe como te admiro. Sinto tanto a tua falta, tua pele, teu corpo pequenino e quente, que saudades, queria ter saído mais contigo, como no restaurante italiano, tu estavas tão linda, que saudade, quando a gente ria sem parar, que saudade, sinto falta até de quando chorávamos a separação iminente, as últimas três horas que passamos juntos foi a cereja no sorvete, pra condecorar o que vivemos e que, ao menos em mim, estará marcado a ferro e fogo, sei que vai curar, mas vai ficar uma cicatriz, e ela vai ser linda, como são as cicatrizes de amor.
Um grande beijo do teu amigo, do teu amante, do meu amor pra ti Nath.